— Pra te salvar de você - disse ele. As mãos frias e fortes repousavam sobre os braços da poltrona, mas seus dedos inquietos denunciavam sua ansiedade. - Eu não podia deixar que fugisse. Não podia deixar que se machucasse.
Ela olhou dele para o teto de pedra, que se arqueava sobre eles como uma estrutura decadente prestes a tombar. Os olhos arregalados, marejados de lágrimas e sangue fresco, pareciam não conseguir se fixar em um único ponto por muito tempo. E quando ela tentou se mover percebeu, com o som metálico das correntes, que estava presa naquela cama como uma daquelas almas atormentadas num hospício.
— Vocês mulheres sempre fazem o que querem, e eu não posso suportar isso. Mas você é minha mulher. Você é o navio, eu sou seu capitão.
— V-você está me matando! - Ela gritou. Sentiu o gosto de ferro na língua, seu próprio sangue. Os músculos da face estavam doloridos e ela podia notar um leve inchaço na bochecha esquerda. Ela se voltou para ele novamente. - Seu monstro! Me deixe ir!
Ele levantou o punho, apoiou o cotovelo sobre o braço da poltrona e o rosto sobre a mão fechada, olhando para ela como se estivesse à beira de um abismo, prestes a pular na escuridão sem fim. Seus olhos vazios eram como dois botões de mármore negro, colados numa placa dura de gelo em que haviam desenhado um sorriso desdenhoso.
— Você vai me deixar, não vai? - Ele coçou a têmpora, os olhos fixos numa tira de pele exposta da cintura dela onde havia uma marca vermelha. - Vai embora, quero dizer. Pra um lugar bem distante?
— Sim - respondeu ela honestamente. - Sim, Avon, eu vou embora.
Ele não disse nada nos primeiros instantes, mas seus olhos pretos e brilhantes como vidro estavam sobre ela, por isso ela esperou.
Esperou.
Esperou.
E esperou.
Olhou para Avon novamente, os cabelos dourados lhe caíam sobre os olhos pretos abertos, porém ele não se movia. Ela tentou se levantar, e dessa vez conseguiu sem muito esforço. Todas a correntes haviam desaparecido. Se levantou e correu em direção a porta, mas hesitou ao tocar a maçaneta. Olhou por cima do ombro, na esperança de ver o rosto do marido uma última vez.
Infelizmente ele e tudo o que havia ao redor também haviam desaparecido, bem como a porta para a qual ela havia corrido, deixando apenas uma maçaneta de cristal entre seus dedos.
Ela deu um passo para trás assombrada, deixando escapar um grito de terror quando o cristal derreteu em sua mão, se transformando num liquido morno translucido que escorreu pelos seus dedos até pingar para o chão com o som de vidro se estilhaçando.
Doce Ophelia - o canto grave ecoou por todo o cômodo, e tudo derreteu como a maçaneta havia derretido -, vai me deixar.
— Avon - ela sussurrou, um pouco para si, enquanto andava em círculos.
Doce Ophelia, quer ser livre.
Enquanto tudo derretia a sua volta, envolvendo Ophelia como um manto molhado, quente e salgado, ela se afundava numa dor aguda. Uma dor tão forte que era, além de física, emocional. E vinha em ondas.
Doce Ophelia, se afoga agora nas minhas lágrimas.
Ela ouviu por fim. pouco antes de seu corpo submergir nas lágrimas de Avon. Ela prendeu a respiração, encolhida e se abraçando, até os pulmões protestarem e ela começar a morrer.
— Ophelia... - chamou uma voz distante.
Ela sentia como se suas pálpebras tivessem sido costuradas. Imaginou se poderia sentir a pele se rasgando ao abrir os olhos.
— Hnm... - resmungou se mexendo. Estava deitada sobre algo macio, e mãos gentis a acariciavam.
— Você está bem?
Quando se virou, após alguns instantes tentando acostumar os olhos à luz forte da manhã que entrava pela janela, encontrou Avon,. Com seus olhos pretos brilhantes olhando para ela ternamente, como se ela fosse algo precioso e delicado
— Avon... - sibilou colocando a mão sobre a dele. Ela se levantou alarmada. - Avon!
— Você estava se mexendo muito enquanto dormia - disse ele se sentando ao lado dela na grande cama forrada com lençóis brancos. Ele sorriu para ela. - Você também estava falando...
Ela acariciou a mão dele com as pontas dos dedos. O medo que sentia daquele homem enquanto dormia parecia uma coisa distante e sem sentido.
Não havia crueldade em nada nele. Apenas amor e carinho... Por isso, sentindo-se segura, ela fechou os olhos novamente, apertando a mão dele contra o rosto. Mas sentiu um calafrio repentino.
Doce Ophelia, vai me deixar.
Ophelia abriu os olhos.
Agora você se afoga em mim. Eu, Avon, seu amante.
Nada havia mudado.
Ainda estava se afogando.
— Vocês mulheres sempre fazem o que querem, e eu não posso suportar isso. Mas você é minha mulher. Você é o navio, eu sou seu capitão.
— V-você está me matando! - Ela gritou. Sentiu o gosto de ferro na língua, seu próprio sangue. Os músculos da face estavam doloridos e ela podia notar um leve inchaço na bochecha esquerda. Ela se voltou para ele novamente. - Seu monstro! Me deixe ir!
Ele levantou o punho, apoiou o cotovelo sobre o braço da poltrona e o rosto sobre a mão fechada, olhando para ela como se estivesse à beira de um abismo, prestes a pular na escuridão sem fim. Seus olhos vazios eram como dois botões de mármore negro, colados numa placa dura de gelo em que haviam desenhado um sorriso desdenhoso.
— Você vai me deixar, não vai? - Ele coçou a têmpora, os olhos fixos numa tira de pele exposta da cintura dela onde havia uma marca vermelha. - Vai embora, quero dizer. Pra um lugar bem distante?
— Sim - respondeu ela honestamente. - Sim, Avon, eu vou embora.
Ele não disse nada nos primeiros instantes, mas seus olhos pretos e brilhantes como vidro estavam sobre ela, por isso ela esperou.
Esperou.
Esperou.
E esperou.
Olhou para Avon novamente, os cabelos dourados lhe caíam sobre os olhos pretos abertos, porém ele não se movia. Ela tentou se levantar, e dessa vez conseguiu sem muito esforço. Todas a correntes haviam desaparecido. Se levantou e correu em direção a porta, mas hesitou ao tocar a maçaneta. Olhou por cima do ombro, na esperança de ver o rosto do marido uma última vez.
Infelizmente ele e tudo o que havia ao redor também haviam desaparecido, bem como a porta para a qual ela havia corrido, deixando apenas uma maçaneta de cristal entre seus dedos.
Ela deu um passo para trás assombrada, deixando escapar um grito de terror quando o cristal derreteu em sua mão, se transformando num liquido morno translucido que escorreu pelos seus dedos até pingar para o chão com o som de vidro se estilhaçando.
Doce Ophelia - o canto grave ecoou por todo o cômodo, e tudo derreteu como a maçaneta havia derretido -, vai me deixar.
— Avon - ela sussurrou, um pouco para si, enquanto andava em círculos.
Doce Ophelia, quer ser livre.
Enquanto tudo derretia a sua volta, envolvendo Ophelia como um manto molhado, quente e salgado, ela se afundava numa dor aguda. Uma dor tão forte que era, além de física, emocional. E vinha em ondas.
Doce Ophelia, se afoga agora nas minhas lágrimas.
Ela ouviu por fim. pouco antes de seu corpo submergir nas lágrimas de Avon. Ela prendeu a respiração, encolhida e se abraçando, até os pulmões protestarem e ela começar a morrer.
— Ophelia... - chamou uma voz distante.
Ela sentia como se suas pálpebras tivessem sido costuradas. Imaginou se poderia sentir a pele se rasgando ao abrir os olhos.
— Hnm... - resmungou se mexendo. Estava deitada sobre algo macio, e mãos gentis a acariciavam.
— Você está bem?
Quando se virou, após alguns instantes tentando acostumar os olhos à luz forte da manhã que entrava pela janela, encontrou Avon,. Com seus olhos pretos brilhantes olhando para ela ternamente, como se ela fosse algo precioso e delicado
— Avon... - sibilou colocando a mão sobre a dele. Ela se levantou alarmada. - Avon!
— Você estava se mexendo muito enquanto dormia - disse ele se sentando ao lado dela na grande cama forrada com lençóis brancos. Ele sorriu para ela. - Você também estava falando...
Ela acariciou a mão dele com as pontas dos dedos. O medo que sentia daquele homem enquanto dormia parecia uma coisa distante e sem sentido.
Não havia crueldade em nada nele. Apenas amor e carinho... Por isso, sentindo-se segura, ela fechou os olhos novamente, apertando a mão dele contra o rosto. Mas sentiu um calafrio repentino.
Doce Ophelia, vai me deixar.
Ophelia abriu os olhos.
Agora você se afoga em mim. Eu, Avon, seu amante.
Nada havia mudado.
Ainda estava se afogando.